domingo, 21 de junho de 2009

Ensaio sobre a Cegueira



Peguei o filme sem acreditar muito no resultado, uma vez que não gosto de Saramago e sua filosofia um tanto quanto rasa. A estória confirmou minha suspeita.

Porém, o filme foi muito bem construído e tenho que reconhecer que o final conseguiu mudar todo meu o roteiro preestabelecido.

As cenas do filme de Fernando Meirelles, de cara, me fizeram voar à lugares meus conhecidos: as casas antigas de São Paulo, o estilo art-nouveau de alguns lugares no centro velho, as balaustradas de bares do início do séc. 20, aquelas cenas familiares da capital paulistana. Maior emoção foi ver a recém construída Ponte da Água Espraiada. Orgulho bobo de paulistana desterrada.

O filme foi muito bem planejado, com esmero artístico, a dessaturação de cores que migram diretamente para o branco, as cenas indicando a barbárie sem mostrá-la cruamente, apesar de que o diretor assume que havia sido mais "contundente" nas primeiras versões.

Pois bem, a idéia de cegueira colada à perda da humanidade eram latentes ao se observar o tema e o que pretendo refletir coincide com meu último post existencialista sobre a red-haired choice e possui dois pontos básicos:

Onde está nossa cegueira?
E onde está nosso ponto cego ou nossa cegueira psicológica?


O diretor em seu blog comenta que ao mostrar a 4ª versão do filme, obteve comentários que deflagravam sua própria cegueira, como a "gelatina inútil", termo que ele usa retirado de Rei Lear.

A primeira questão nos faz pensar: eu me enxergo?

A esposa do médico, protagonizada por Julianne Moore logo ao início está cozinhando, servindo e ouvindo, funções femininas e um tanto quanto maternas. Não ouve bem seu marido médico (liga a batedeira bem alto, enquanto ele conta sobre o caso de cegueira). Ela não se enxerga e não se conhece.

O médico, seguro de si, procura encontrar uma hipótese para a "cegueira branca" ou agnosia (incapacidade emocional em reconhecer objetos). Durante o filme e as condições extremadas que se instalam, o médico depara-se com sua impotência e fraqueza humana.

A garota de programa não pode tirar os óculos escuros, porque não pode enxergar sua condição sub-humana.

E por aí vão as estórias de nossa condição pouco auto-perceptiva.

Lembrando do texto de Roberto DaMatta (autor já citado neste blog), nós não nos enxergamos sem o Outro. Precisamos do Outro como Espelho e Guia. E eu acrescentaria que precisamos do Outro para buscarmos nossa humanidade. Mas é necessário enxergarmos e vermos o Outro e através dele, nós mesmos.

Parece que o autor, Saramago, quis nos fazer pensar que a humanização vem de um instinto que seria a proteção e auto-proteção da espécie, preliminarmente mostrados na função feminina da esposa do médico.

Como única pessoa vidente, ela pode decidir e guiar. Ao início, procura manter sua condição de Diferente dos outros escondida. Está encolhida, porém cuida e guia. Demora a assumir a responsabilidade pela humanidade inteira e vencer sua falta de coragem e adaptação ao que está imposto.

Somente quando deixa sua consciência e humanidade levá-la, assume e age, guiando, protegendo e mantendo o grupo. As ações que se desenrolam nos levam a questioar onde está nossa humanidade e o que é moralmente aceito. É o que Saramago quer fazer refletir.

A esposa deixa de ser esposa. Passa a ser guerreira e líder que "tem visão". O velho negro diz ver quem ela realmente era, para além da aparência e fragilidade física. A mulher tirou de si a energia que precisava para manter e proteger.O marido fica em sua obscuridade e fraqueza de caráter.

Como ela, nós não nos enxergamos, porque estamos ensimesmados demais para olharmos no Espelho dos olhos dos outros. Não vemos, como somos vistos. Não "conhecemos, como também somos conhecidos" , parafraseando um pouco.

Aceitar que temos "pontos cegos" é sermos feridos demais em nosso narcisismo e a maioria de nós não se abre para tal. E ao estarmos tão encapsulados, perdemos a capacidade de receber, aprender e mudar.

Nossa cegueira psicológica está em nosso narcisismo pouco afeito à arranhões.

Eu teria algo mais à comentar, porém estragaria o final do filme. Sem ter os olhos dos outros, como a mulher se enxerga?

Veja o filme!

Um comentário:

Michele Matos disse...

Quando assisti fiquei com dó e nojo da sociedade. Acho que retrata muito bem como seria e o que aconteceria nessa situação.