domingo, 14 de junho de 2009

Cores do vento


Hoje, um domingo perfeito, ensolarado e frio, uma bike tinindo de preta (ah, meu corcel e a força do cavalo é minha!) e a nice song flowing in the ears.

Passando ali pela Com. Becker, um cheiro maravilhoso de ciprestes me invadiu. Ali, logo atrás das quadras do Sesc e na frente da Gouveia.

O aroma forte e cítrico me fez flutuar de saudades dos pinheirinhos de natal que duravam 1 semana e, no meu caso, da infância, quando aos 9 anos saí da capital de São Paulo e fui morar numa chácara no interior do estado, quase divisa com Minas Gerais. Lá os ciprestes faziam a cerca viva da chácara com a rua e minhas galinhas e patos iam se esconder lá embaixo, de quando em vez.

Deslizando a rua e saboreando as lembranças instantâneas, de repente percebi que a música mudara. Era Colors of the wind, na voz americana de Pocahontas. Aliás, para mudar a imagem infantil que a Disney imputou sobre nosso imaginário, assista ao filme "O Novo Mundo"(2005), com Colin Farrell, que nos traz uma versão mais adulta e singela.

A heroína Pocahontas diante de um Captain John Smith atônito considera que ainda não conseguia saber se o selvagem era ela:

You think the only people who are people,
Are the people who look and think like you,
But if you walk the footsteps of a stranger,
You'll learn things you never knew, you never knew
.*

* Tradução:
Você pensa que as únicas pessoas que são pessoas,
São as pessoas que parecem e pensam como você,
Mas se você seguir os passos de um estranho,
Você aprenderá coisas que nunca saberia, nunca saberia.



Eu estava pensando nisso há alguns dias atrás. Aliás, eu sempre penso nisso, por ser estrangeira em terra estrangeira desde os 9 anos.

Daí, quero escrever um pouco sobre o sentimento de Estranhamento com o qual sempre nos deparamos. O termo foi desenvolvido pelo antropólogo Roberto DaMatta, autor que conheci nas aulas de Antropologia com o Luiz Henrique Passador (que saudade!).

Estranhamento é quando nos deparamos com o outro, diferente de nós e passamos a definir "o que é" e "o que não é". Você sabe que a palavra discriminar quer dizer "fazer a diferenciação", logo, ao pensar "isto é azul e não é branco", você está discriminando uma cor da outra (e, claro, não está sendo preconceituoso).

No Estanhamento, a Diferença aparece no confronto entre pessoas e culturas e, ao deparar-se com o Diferente, nossa Identidade cultural sofre uma ameaça e só escapamos dela através da discriminação.

Até aqui qualquer pessoa estranha e discrimina e você estaria esculhambando meu texto se estivesse enfadonhamente pensando isso. Calma.

O problema é quando discriminamos e agimos com preconceito, estabelecendo posições, privilégios, diferenças à partir de nossos próprios valores. A pessoa preconceituosa pensa, sente e age à partir de sua própria visão de mundo, sem pensar realmente na Alteridade, naquilo que o Outro pode mostrar e ensinar. Quando acolhemos o Outro na sua diferença, daí sim, aprendemos a pintar com todas as cores do vento, expressão que Pocahontas apresenta à John Smith.

Na Antropologia Etnológica ou Etnologia o Estranhamento é um conceito dentro do pensamento que chamamos Relativização: cada ser humano vê o mundo sob a perspectiva da cultura em que nasceu, porém nos estudos etnológicos, a pessoa deve relativizar a nova cultura com a qual entrou em contato, assim como relativizar as suas próprias noções e valores.

Logo, entra-se num processo de Estranhamento, quando pensamos os valores do Outro no seu próprio contexto, vemos as relações que tem um início, uma transformação e um fim, nos identificamos com ele (esse Outro) e ao mesmo tempo passamos a refletir sobre os nossos próprios valores.

Segundo o Luiz Henrique Passador, as particularidades de ambos os lados se destacam e a sua posição muda ligeiramente em relação à posição em que você estava no seu grupo de origem e se diferencia, quando você passa a refletir sobre a Diferença e suas "verdades absolutas". Você passa a ser diferente do que era e isso exige mudança.

É no Contraste que conhecemos. E contraste pode começar com preto e branco.

Todos somos diferentes, apesar de sermos iguais. Ou você quer que eu altere a ordem? Todos somos iguais, apesar de sermos diferentes.

Voi-lá!

Estranhe o que é diferente de você e pense sobre ele.

Você quer pintar com todas as cores do vento?


How high does that sycamore grow?
If you cut it down then you'll never know!

And you'll never hear the wolf cry to the blue corn moon
For whether we are white or copper skinned
We need sing with all the voices of the mountain
We need paint with all the colours of the wind!

You can own the earth and still!
All you'll own is earth until,
You can paint with all the colours of the wind!

2 comentários:

Michele Matos disse...

De cada pessoa "estranha" que eu me aproximo e permito-me conhecer, pego alguma característica pra mim e o que era estranho não é mais.

Elaine Costa - Lady Tangerine disse...

é assim mesmo, Michele! O que era estranho passa a ser familiar! E você deixa marcas no outro também!