domingo, 16 de agosto de 2009

Orient Express Route: Spiceries´ Power




A alimentação pode servir para inúmeros fins: manter o organismo vivo, ser uma rotina enfadonha ou motivo de negociação entre mãe e filho. Pode ser ainda um sacrifício ou um prazer tão grande que escraviza alguém.

Meu filho Davi dizia outro dia que o mais importante no alimento é o cheiro. É ele que vem primeiro, que cativa você e te deixa em transe alucinatório até que o objeto desejado seja degustado.

São experiências mágicas, transformadoras sentir o cheiro da comida sendo preparada, da alcaparra na carne, do alecrim, manjericão e óregano, do bolo assando, da goiabada sendo derretida, do chocolate escaldando no creme de leite e virando trufa, sem falar no café coando e silenciosamente nos torturando com seu cheiro hipnótico, muito melhor que seu gosto. Como pode? Beber café é frustrar-se ao infinito. Ele não corresponde ao seu aroma entorpecente.

O prazer do aroma e da degustação transformou o mundo, desenvolveu a navegação, criou comércio entre o mundo ocidental e o oriental. Podemos afirmar que somos fruto da corrida desenfreada pelas especiarias. Quem nunca estudou na escola que a circunavegação do mundo se deu em função da descobertas de novas rotas até as especiairias, como tentativa de quebrar o monopólio árabe, muçulmano?

E pensar que os grandes mercadores venezianos e genoveses enriqueceram aos montes ao transportar canela! Hoje é algo tão trivial que nos aleja deveras de seu passado histórico.

Se você já reparou um dia, os árabes utilizam grãos e especiarias na culinária há séculos. Na Índia a comida tem cores e aromas tão magnetizantes, quanto o cenário do país e suas cores saturadamente harmoniosas.

O livro Especiarias & Ervas Aromáticas: História, Botânica e Culinária, de Jean-Marie Pelt, nos conta como os depósitos egípcios há 2.000 anos antes de Cristo ficavam abarrotados de canela, cardamomo, ébano, gengibre, como se fossem cofres repletos de ouro.

Os gregos, na era clássica, costumavam degustar comidas exóticas preparadas com um mix de vinho tinto e inúmeras especiarias, verdadeiras iguarias culinárias. Desde muito primitivamente as especiarias estão ligadas ao refinamento.

Na era medieval, servir banquetes com pimentas, açafrão, cúrcuma, pápricas era sinal de poderio econômico e estatus social. Somente nobres utilizavam sementes e pós, que valiam seu peso em ouro.

Com o tempo e com a invasão do mercado por inúmeros mercadores (após 1500 d.C.), como tudo que há em excesso acaba virando commoditie, as especiarias passaram a ser mais utilizadas nas culinárias regionais européias e se popularizam. A Espanha começa a produzir açafrão, por exemplo, e os mercados migraram para outros objetos de desejo (talvez escravos para as terras que produziam açúcar).

Degustar pode ser uma experiência tão potente, quanto uma montanha russa ou um body jump. Já demonstro pra você!

O contato com o diferente, com o exótico e aromático mundo oriental deixou os europeus reféns de um grande poder mágico: o poder do olfato, da visão e paladar gustativo.

Você que come arroz com feijão, por exemplo, já experimentou colocar curry no arroz e folhas de louro no seu feijão? Ah! Você pode me dizer que Arroz ao Curry é coisa de grãfinos e não é comida para o dia a dia.

O curry irá te custar uns 0,10 centavos de Real e trará um aroma indiano à sua segunda-feira, além de uma cor estupenda e vibrantemente amarela. O louro custa igualmente e foi planta utilizada para coroar atletas que se igualavam aos deuses, vencendo os jogos nas Olimpíadas gregas. Além de presentear você com um sabor ligeiramente ácido e verde.

Sim. Sabor tem cor, sim! E à isso damos o nome de Sinestesia!

Degustar um Kolhapuri Kombdi ou frango com gergelim, coco, sementes de papoula, pimentas, cúrcuma e com uma pitada de cravo em pó e canela, pode ser uma viagem sideral.

Os sabores são registrados em diferentes partes de nossa boca: a língua pode captar o sabor doce em sua ponta, a acidez em suas bordas, o amargor na parte inferior, próximo a garganta e no meio percebemos o sabor salgado.

Comer uma comida indiana com páprica picante, coco ralado, mostarda, curry, canela e cravo em pó, faz com que seu cérebro seja bombardeado pelos sabores e estímulos em diferentes partes de sua boca e língua. Não tem adrenalina melhor!

Costumo dizer que o sabor explode em nossa boca, como se fosse uma chuva de fogos de artifícios. Uma comida pode ter um sabor ao início e outro ao final do contato com sua língua e as conexões entre eles fica lá com nosso cérebro, todo espezinhado pelos aromas, cores e sabores.

As mães sempre falam para não brincar com a comida, mas degustar um chocolate com canela, um bolo molhado com leite e cravo em pó ou um estupendo bife au poivre , como faz meu querido filho João Caetano é uma brincadeira extasiante!

Sempre brinco que as bruxas nada mais eram que cozinheiras.

Ou será que as(os) cozinheiras(os) é que são bruxas(os)??

Aproveite e assista ao filme ESTÔMAGO, do diretor curitibano Marcos Jorge, para entender o que é poder.

Ci vediamo presto!

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